Lembranças dum amigo

Quem pode esquecer uma pessoa que dedicou parte do seu tempo em te


agradar, te deixar sempre feliz e realizado com sua alegria,

amabilidade e simpatia?

Assim era o Walter quando o conheci em 1967, um jovem maravilhoso

cheio de idéias, de atenções e respeito por seus semelhantes.

Fui trabalhar com ele e de imediato nos tornamos em verdadeiros amigos

e colaboradores inseparáveis.

Nunca foi um patrão e sim um colega de profissão.

Após alguns meses virou o meu padrinho de casamento, sua fantástica

esposa nossa madrinha.

E após dois anos ele veio trabalhar comigo de vendedor.

Uma amizade já mais de 40 anos.

O que não posso esquecer era o jeito dele em nossa juventude, ele era

original, impossível.

Boa pinta, as mulheres o assediam e ele se refugiava em sua aliança de

casamento que exibia sem nenhum problema para não arrumar

compromissos.

Me contava que amava muito a sua esposa e não conseguiria trai-la.

Tal vez essa fosse a maior virtude que possuía, que pelo menos eu admirava.

Tinha seus defeitos como todo ser humano, só que as virtudes o superava.

.

Íamos direto nos barzinhos do Tatuapé curtir nossos conhaques.

É os feitios dele que quero relatar:



Certa vez na firma sobraram mais de dez camisetas em branco, e de

repente deu a louca nele de imprimi-las.

Fez a matriz, jogou tinta vermelha e uma vez impressas me pediu para

leva-las como doação numa casa vizinha que cuidava de velhinhos.

A turma tinha de 80 anos pra cima e lá fui entregar a encomenda gratuita a eles.

Me atendeu uma senhora idosa e entreguei o presente a ela.

Ela cuidadosamente abriu e adorou, passou então a distribuir entre

todos os participantes.

Fiquei um pouco lá atento e observando e daí uns minutos começaram a

aparecer os caras, homens e mulheres todo arrugadinhos, se

desmanchando em vida, castigados pela idade com a camiseta branca

mostrando em sua frente em letras grandes, vermelhas, garrafais

imitando fogo escrito:

TÔ Q TÔ

Todos adoraram, uma veínha centenária me perguntou o que estava

escrito e eu sem poder-me conter falei rapidinho que era uma marca de

refrigerante algo como “tome coca cola”.

E sai rapidinho para dar uma risada descancarada lá na rua.

Não agüentei a safadeza, muita maldade mas não menos original.

No fim a população agradeceu e gostou, e bem, os outros, que pensem o

que quiserem.

Quem sabe alguns deles não “estava que estava” mesmo?



Noutra oportunidade fomos no escritório da Vale lá na Av. das Nações

Unidas para tratar sobre umas faixas promocionais numa feira.

Na hora de descermos no elevador, 25 andares, calha de nos acompanhar uma moça.

Ela estava com cara de insana, algum problema estava acontecendo com ela.

Os olhos brilhando, a tez pálida, preocupada e massageando o ventre

dissimuladamente.

Quando de repente acontece o pior, ela solta um ar reprimido nada silencioso.

Nos dois ficamos pasmos esperando uma desculpa que não véio.

Foi ai quando pressenti o pior, e aconteceu mesmo.

O Walter estica o pescoço por trás da moça e olhando em direção à

buzanfa dela exclama em alto e bom tom:

-EU TAMBÉM TE AMO!!

Pra que, foi bolsa voando pra todo lado.

Uma infâmia.

No fim a conseguimos conter com algumas palavras.

Ela ficou triste e desolada, começo a soluçar.

Acabou o Walter tomando-a por um braço, conversando legal e ficou assim mesmo.

Parecia até que iria pintar um clima.

Só que sem condições, imaginaram se alguém fosse perguntar:

-E como é que vcs dois se conheceram?

Não tinha a menor chance, chegando no térreo ela sumiu de repente que

nem água na areia do deserto, sem deixar rasto.



O dia que fomos no zoológico ele, o irmão dele e o filho do irmão com

uns 4 ou 5 anos.

Chegando na jaula do tigre, o Walter pergunta para o pequeno:

-Olha se vc fosse nascer de novo querias ser um tigre feio como esse

ou aquele veadinho lindo e alegre que vimos na outra jaula?

-Eu queria ser um veadinho tio!

-Que bom, assim quando crescer serias um veadão que nem o papai.

-Sim quero ser um veadão que nem o papai!!

-Cala a boca Fernandinho, o tio está brincando contigo.

-Ta bom mas eu quero ser um veadinho!!

Isso custou algumas discussões na família, e eu rindo sem parar.



Um dia chega uma senhora com certa idade e pergunta para o Walter pela sua avó.

Ele responde: Ela está em casa descansando porque operou agora.

-Operou? Coitada e o que ela tinha?

-Fez operação do perineo.

-O que é isso de perineo?

-É a reconstituição do himen.

Como? Ela não tem uns 90 anos e ficou viúva agora?

-Por isso mesmo, vai que pinta uns loves e ela quer estar preparada pra tudo.

-Meu Deus! Manda um abraço pra ela e dá licença!

Eram mortais as repostas dele, só deboche, ou tal vez humor demais.



Claro que não era só bobagem que ele falava, tinha um filão romântico, poético.

Quando comentei isso que ele tinha algo de poeta, me respondeu:

-A poesia é o eco da melodia do universo no coração dos humanos.



Cara, respondi, estou fascinado.



Como último caso, contarei sobre uma moça morena muito bonita,

escultural que vinha todos os dias para conversar com ele na porta.

Sei que era caminho do trabalho dela e se engraço com a pinta do Walter.

Ai manteve umas conversas por quase um mês.

Certa vez ele a deixou entrar para conhecer a firma.

Ficou uns cinco minutos e foi embora.

Eu cheguei a comentar que poderia estar errado ele a deixar entrar

pois já era casado.

Respondeu-me assim:

-Enrique, se fechares a porta para todos os erros, também a verdade

permanecerá lá fora.



Confesso que fiquei sem palavras.

Quando ele de repente me confirmou que daria um jeito, não queria

plantar ilusões na cabecinha dela que aparentemente só pretendia

alguém para casar.

Dito e feito, ela apareceu na porta, após uns dois minutos de

agradável conversa ele sem dissimulo tira a aliança que mantinha no

bolso e coloca na mão.

Ela percebeu tudo na hora e começo a lacrimejar, ficou sem assunto.

Ai ele até filosofou com ela, tinha esse lado carismático e disse-lhe:

-Se choras por ter perdido o sol, as lágrimas não te deixaram ver as estrelas!

Pra que, ela abriu a torneira dos seus olhos.

Eu pensei, melhor assim que continuar com a farsa, ele estava

brincando com ela mas parou a tempo.

Nada se perdeu para sempre.



Telefonei pra ele semana passada para ver como a política o estava

tratando e se já se tinha candidatado para deputado federal ou outro

cargo

Respondeu-me de forma singela:

-Meu velho amigo, eu agradeço por não ser uma das rodas do poder, mas

sim uma das criaturas que são esmagadas por elas.



Bem, é bom relembrar o passado e o presente, tudo isto me traz a

certeza que a vida é uma comédia para os que pensam e uma tragédia

para os que sentem.