Para mim, a mímica está associada à poesia da alma, através dela, reinvento meu caminho e descubro, a cada momento, a razão de minha existência.A Mímica é uma arte que flui da alegria e de um desejo imenso de ajudar a construir um mundo melhor. É preciso acreditar na utopia e a mímica é a arte que reinventa e reorganiza o mundo.
O Império do Silêncio!
Mímica é um delicioso jeito de contar histórias utilizando elementos que preenchem a cena com harmonia e irreverência. Antonin Artaud, Bob Wilson, Gerald Thomas, Antunes Filho e outros grandes encenadores modernos, por não subestimarem a mímica como parte de suas linguagens, tornaram-se arautos do teatro moderno, respeitados e imitados por muitos fãs no mundo inteiro.
O segredo desses mestres, foi a revolução que buscaram fazer no corpo do ator, respeitando principalmente sua gestualidade. Quando o gesto do ator é cuidadoso, seu trabalho ganha força nos palcos.
Na década de 90 sente-se no ar que algo está para acontecer na arte do gesto. A maioria dos mímicos que vieram no rastro de Marcel Marceau sentem a necessidade de se reciclarem e estão descobrindo a complexidade desta arte que, paradoxalmente, é amiga íntima da simplicidade!
O panorama confuso que paira sobre nós é notório como em todas as profissões, a revolução da "era da informática" desmistificou a imagem do mestre como o provedor de todo conhecimento. Está claro que só é mestre quem sabe que não sabe o suficiente e precisa aprender mais. O maior exemplo disso é o incansável Etiénne Decroux, que viveu 92 anos pesquisando a mímica e deixou o embrião de uma arte que ainda tem muito que amadurecer.
Diante deste emaranhado de idéias e especulações que surgem na "nossa arte" do gesto só é possível concluir que: os atores gestuais, sejam eles mímicos, clowns, brincantes, essenciais, atores de máscaras e outros gêneros são, na verdade, a gênese de um novo tempo, de uma outra forma de teatro que não será mais o império do silêncio, tão pouco, o da palavra.
FILME MUDO – MÍMICA
Em certo dia o Zé Mane desce do morro chutando latas, cumprimentando vizinhos, jogando bola com a molecada, trocando alguns passes, em fim, um cara bem humorado, de bem com a vida, um pobre conformado com a realidade.
Ele se depara em certo lugar com a imagem de um homem-estátua fantasiado de Arcanjo imobilizado esperando caixinha do público. Têm na frente uma placa escrita ARCANJO e uma latinha para o dinheiro. Com muita dificuldade aparece uma menininha para lhe dar uma esmola. Depois de algum tempo aparece um menino com outra moeda, antes disso o Arcanjo já está impaciente pelo pouco dinheiro que arrecadou e dissimuladamente olha para o relógio de pulso.
Quando o segundo menino deixa uma moeda, ele se contorce todo em agradecimento e sem querer cai do palanque machucando uma perna o que o impossibilita de voltar a assumir.
Aí se apresenta o Zé Mane que estava observando a cena, fica comovido e vai ajudar o Arcanjo a se recuperar.
Então percebe que não dá para ele ficar mais em pé mesmo tentando algumas vezes.
E se oferece para ficar no lugar dele para assumir o seu papel. No começo o Arcanjo no aceita mas o cara insiste tanto que acaba concordando e o veste com a sua roupa indicando claramente que tem que ficar imóvel. Ele olha para a latinha e repara que só tem duas moedas e vai descansar num canto da rua.
Ao pouco tempo aparece o Arcanjo e vê o conhecido todo louco dançando sem parar em cima do pedestal que nem um roqueiro, e fica furioso grita com ele, manda descer, dá muita bronca e manda ele embora. De imediato o Arcanjo verdadeiro olha para a latinha e vê que está cheia de moedas e algumas notas de papel. Então ele fica perplexo e arrependido e o chama de volta para retomar o lugar. Aí o colega não aceita, diz que não quer mais, foi xingado, está magoado e não quer nada. O Arcanjo então implora, se ajoelha, mas nada d´ outro voltar. O Arcanjo fica cabeça baixa observando o Zé Mane indo embora. Numa outra cena aparecem dizeres com a escrita: UM TEMPO DEPOIS e mostra um clube noturno, a câmera se aproximando mostra quem está na portaria bem vestido com uniforme de gala e rindo à toa é o Zé Mane.
A imagem vai entrando no clube até chegar no palco. Aí tem uma banda de rock tocando e de repente entra em cena o Arcanjo muito louco balançando o corpo e os cabelos, (CLOSE no rosto dele) quando a câmera se afasta um poço aparece uma faixa escrita acima dele, e não vista antes (por problema de foco) com os dizeres:
ARCANJO´S ROCK.
Moral da história, o Zé Mane, homem simples e humilde (por que não dizer, desempregado) ensinou o caminho ao colega, a forma certa de ganhar a vida e foi retribuído com um emprego de porteiro.
Acompanhamos a simbologia de que o bem se paga com bem.
29/11/2007 Enrique Andrés – Roteirista